quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Antígona

Tudo se desenrolará por si. É esta, afinal, a comodidade da tragédia: damos um pequeno toque para que as coisas comecem , um nada, apenas um olhar para uma rapariga que passa na rua e ergue os braços; um desejo de dignidade e de glória, numa manhã ao acordar como se se tratasse de algo que se come; uma pergunta a mais feita certa noite... É o suficiente. Depois basta deixar correr. Estamos tranquilos. Gira tudo só, com minúcia e precisão. A morte, a traição, o desespero estão lá à espera, e também os relâmpagos, as tempestades, os silêncios. Todos os silêncios: o silêncio que rodeia o carrasco, quando este erque o braço para o fim; o silêncio que rodeia dois amantes quando, pela primeira vez, surgem na sua nudez, um em frente do outro, sem ousarem dizer uma palavra; o silêncio... quando os gritos da multidão ressoam em redor do vencedor - dir-se-ia um filme ao qual suprimiram o som e que nos mostra um conjunto de bocas abertas, das quaisnada sai, como um clamor que não passa de simples imagem; e o vencedor, agora vencido, sozinho no meio do seu silêncio... É decente, a tragédia. É repousante, acertada... Na tragédia estamos tranquilos. Estamos, desde o início, em família! Numa palavra: estão todos inocentes! Não importa que haja um que mata e outro que morre. É apenas uma questão de distribuição. E, além disso, a tragédia é, sobretudo, repousante porque sabemos que não há lugar para a esperança, essa horrível esperança; quando se é apanhado, quando se é apanhado como um rato, com o peso do céu sobre as nossas costas, e só nos resta gritar - não gemer ou queixar-se - gritar a plenos pulmões o que se tem para dizer, o que nunca se disse e que, talvez, há momentos ainda não sabíamos que iríamos dizer. E para nada: para o dizermos a nós próprios. No drama debatemo-nos porque esperamos sair dele. É ignóbil, é utilitário, Na tragédia, tudo é gratuito. É para os reis. Enfim, não há nada a tentar!

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